março 21, 2007


Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal

Numa semana em que voltam a casa mais de 100 militares portugueses que valentemente cumpriram o seu dever patriótico na Bósnia-Herzegovina, resolvi analisar o site do Estado-Maior General das Forças Armadas e fazer um balanço dos últimos 15 anos anos de bravas missões portuguesas no estrangeiro.


No coração das trevas
Em 1991 enviámos uma aeronave C-130 para “efectuar o resgate de cidadãos nacionais ameaçados pela situação interna no Zaire”, ao abrigo do “Interesse Nacional”. Não sei quantos portugueses viviam no Zaire à altura, mas suspeito que não era necessário enviar uma aeronave C-130. Bastava terem enviado um táxi.


“Aqui é o Chissano, onde é que estás?”
De 1993 a 1994 estivemos em Moçambique, para “ajudar a implementar o Acordo de Paz assinado pelo Presidente da República de Moçambique e o Presidente da Resistência Nacional Moçambicana”, para o que levamos um “batalhão de transmissões”. Rezam as crónicas militares que, se o referido batalhão não tivesse levantado meia dúzia de postes telefónicos, arriscando a vida temerariamente, o Presidente da República de Moçambique e o Presidente da Resistência Nacional Moçambicana nunca teriam entrado em contacto e a paz não teria sido possível.

Crocodilo eu sou, vou-te devorar
Em 1998 chega a “Operação Crocodilo”, que visava “efectuar o transporte para Portugal de civis nacionais e de países amigos residentes na Guiné-Bissau”. Seguindo a terminologia politicamente-correcta-oficial-genealógica à risca, deixaram ao abandono cidadãos cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos e guineenses, uma vez que, tecnicamente, não eram de “países amigos”, mas sim de “países irmãos”.

Operação Mário Lino
De 11 de Janeiro de 2000 a 4 de Abril de 2001 estivemos integrados na “Albania Force”, para “garantir a utilização do aeroporto de Tirana”. Entre as muitas medidas tomadas pelo exército português, realçam-se os estudos que provaram que a capacidade do aeroporto de Tirana esgotaria em 2008 e a tentativa de convencer o governo albanês a construir um novo aeroporto em Skopje, a vários quilómetros de distância da capital albanesa.


Mau tempo no canal
Em 2004 estivemos no Mediterrâneo Oriental, a fim de “estabelecer presença naval na região a fim de demonstrar a determinação da OTAN no combate ao terrorismo”. Como é que isto sucedia? Simples. Os membros da Al-Qaeda, de passagem pela Canal do Suez, a caminho do Sudão, viam a fragata Vasco da Gama no meio da água e finalmente percebendo a “determinação da OTAN no combate ao terrorismo”, suficiente para tirar a Vasco da Gama de Cacilhas, resolviam desistir do fundamentalismo islâmico, abraçar o judaísmo e cortarem, ali mesmo, o prepúcio. Mas, para além disso, as forças portuguesas também estavam lá para vigiar “as aproximações ao Canal do Suez, contribuindo para o reconhecimento de um vasto panorama marítimo”. O referido “vasto panorama marítimo” foi reconhecido, após passarem três meses a olharem para um canal com 365 metros de largura.

“Nunca mais é fim do mês!”
Em 2000 chega a “Operação Save”, em Moçambique, que visou, de 5 de Março a 5 de Abril de 2000, “prestar apoio humanitário às vitimas das cheias neste país”, tendo Portugal enviado um “destacamento de fuzileiros navais”. Como a tragédia humanitária em questão era uma cheia, todos eles eram de Santarém. Note-se porém que, oito anos antes, fomos “efectuar a evacuação de Angola de cidadãos nacionais e outros europeus”, de 30 Outubro a 30 de Novembro. Ou seja, para o exército português, um mês chegava e sobrava para tratar dos assuntos em África. A escola de Almeida de Santos continuava ainda em vigor nas Forças Armadas.

Se outros calam, cantemos nós
Desde Setembro 1999 que estamos a “providenciar segurança e manutenção da lei e ordem em Timor-Leste”. Díli pode ainda ser propriamente uma Gstaad, mas pela menos já não é uma Amadora. e Roma e Pavia não se fizeram num dia.


Vasculhando os obituários
Desde 2002 que estamos na ex-Jugoslávia para ajudar à “verificação no terreno do cumprimento dos sucessivos acordos estabelecidos entre as partes em conflito”. Eis como a coisa funciona: os militares portugueses vasculham as ruas das cidades sérvias, croatas, montenegrinas e kosovares em busca de cadáveres mutilados. Quando não os encontram, está cumprida a missão.


“Concorda com a interrupção voluntária do colonialismo, etc e tal?”
Desde Setembro de 1991 que estamos no Saara Ocidental, para supervisionar “o cessar-fogo entre as Forças Armadas do Reino de Marrocos e a Frente Polisário e efectuar um referendo para determinar o futuro do território”. Estando o processo a ser liderado por portugueses, posso garantir duas coisas: primeiro, que mais tarde ou mais cedo o referendo vai mesmo ser feito. Segundo, que este não vai ser juridicamente vinculativo.

Sempre é melhor do que o Iraque
Mandatados pela NATO, estamos no Afeganistão para “assistir a Autoridade Transitória do Afeganistão a manter a segurança na sua área de responsabilidade”. Sendo que todo o país é controlado por diversos senhores da guerra e pelos Taliban, sendo a “área de responsabilidade” da Autoridade Transitória do Afeganistão o palácio presidencial e respectivo jardim, mais coisa, menos coisa, não admira que tenhamos estacionada no Afeganistão uma “equipa de bombeiros”. Estão lá para manter a segurança do presidente do Afeganistão, caso o seu fogão exploda, bem como do seu gato, caso suba a uma palmeira. Estamos ainda no Afeganistão para “prestar assistência humanitária ao governo interino do Afeganistão”. Quanto a isto, apenas uma nota: quando um Governo precisa de ajuda humanitária, talvez seja altura de desistir e voltar para casa.

“É dispersar!… É dispersar!…”
Desde 1999 que estamos no Kosovo, para “verificar a retirada das forças sérvias da província e estabelecer a presença internacional”. Para “estabelecer a presença internacional” não é preciso ser nenhum John Rambo. Basta estar lá. Tanto serve um comando como um cabo-raso a cumprir o serviço mínimo obrigatório. Ainda assim, parece que as forças militares portuguesas estão a fazer um competente serviço ao sentarem-se na fronteira e contarem quantos sérvios a atravessam.


Isso é um arma na tua burqa ou só estás contente por me veres?
Entre Agosto e Setembro de 2001 estivemos no Kosovo, integrados na “Task Force Harvest”, para “desarmar grupos étnicos albaneses e destruir material capturado”. A missão foi um sucesso, tendo os militares portugueses conseguido destruir, nesse único mês, mais de 2000 sacholas apreendidas aos agricultores albaneses.


Sauna ou bunker? Eis a questão...
Desde 1992 que forças militares portuguesas estão intermitentemente em países como a Bósnia-Herzegovina, Cazaquistão, Croácia, Geórgia, Rússia, Suécia e Ucrânia para “garantir a verificação dos acordos sobre controlo de armamentos” assinados pelos países da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). De entre todos os países, aquele que provavelmente deve merecer mais atenção dos nossos inspectores militares é a Suécia, esse perigoso país beligerante, governado por dementes fundamentalistas religiosos.

março 01, 2007

O presidente Almeida Santos



Ontem, na “Quadratura do Círculo”, Almeida Santos saiu-se com duas tiradas antológicas, daquelas a que sempre nos habituou (aliás, Almeida Santos é daqueles exemplos que contrariam a visão quase unanimemente aceite que antigamente é que existiam bons políticos e o Parlamento nacional era uma espécie de Atenas da antiguidade). Primeiro, Almeida Santos brindou-nos com esta máxima de La Palisse, atirando as suas eventuais responsabilidades na pífia descolonização para baixo do tapete: a culpa da descolonização, diz ele, é ter havido colonialismo in the first place. A culpa da descolonização, portanto, é de D. João II. O homem, há que reconhecê-lo, é um portento de silogismos. Pela mesma ordem de ideias, os responsáveis pelo “acidente” de Camarate são os irmãos Wright, que inventaram os aviões, malditos sejam. Depois, Almeida Santos, falando dos mortos e estropiados da guerra colonial, avançou com esta visão história original e brilhante: a ele, Almeida Santos, senador da Nação, não o incomoda muito os milhares e milhares de jovens que morreram a defender terras que nunca tinham conhecido e que não lhes diziam nada, uma vez que, desde o 25 de Abril, já morreram mais portugueses nas estradas e sobre isso ninguém fala. Antes de tudo, saúdo a conversão do Almeida Santos numa espécie de Manuel João Ramos, o presidente dessa obscura Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados. Depois, saúdo também que Almeida Santos viva fora do século e se recuse a ver televisão. Eu, que por necessidade profissional vejo televisão, ando a chupar há anos com campanhas de prevenção rodoviária imbecis e ineficientes. Mas, para Almeida Santos, as campanhas, as operações de Natal, Carnaval, Páscoa, Verão e feriados, com todo histerismo dos noticiários à volta delas, não são suficientes. Como não parecem ser os milhares de manchetes que o “Correio da Manhã” já dedicou ao tema das mortes nas estradas. Não senhor. Para Almeida Santos, os portugueses deviam tratar esse tema ignorado ainda mais profundamente, em vez de passarem a vida a discutir, na televisão e nas tascas, a guerra colonial. Tudo isto em pouco menos de cinco minutos, numa única intervenção. É obra. E não podia deixar de referir a maneira tocante como Jorge Coelho se referiu a Almeida Santos como “o meu presidente” e este lhe deu duas ou três palmadinhas no joelho, qual Don Corleone a acariciar as bochechas dos seus protegidos. Para terminar, fiquei espantado com a confusão que o Lobo Xavier fez entre Jorge Sampaio e Almeida Santos, referindo-se à arbitrariedade da dissolução da Assembleia da República, no tempo do Governo PSD/CDS liderado por Santana Lopes, pelo “presidente da República Almeida Santos”. Duas referências a Almeida Santos como “presidente” em menos de vinte minutos. Será uma vaga de fundo PS/CDS para derrubar Cavaco Silva? Pelo sim, pelo não, já fiz as malas e deixei o passaporte à mão.