maio 24, 2007

Qual George Steiner, qual quê!

Que o Mário Lino esqueceu as suas raízes proto-comunistas já se sabia, ainda que se possa maldosamente encontrar, no seu iberismo, resquícios do universalismo comunista de Marx. Mas se dúvidas houvessem, eis que Mário Lino as dissipa esta semana. Para ele, a Margem Sul não tem cidades, não tem escolas, não tem hospitais, não tem hotéis, não tem comércio, não tem habitantes. Numa palavra, não tem vida. Nada. Zero (faz pensar para que é que serve a Ponte 25 de Abril, afinal de contas). Para ele, a Margem Sul é, passo a citar, “um Sahara”. De uma penada, Mário Lino acaba com dezenas de anos de hagiografia neo-realista marxista, segundo a qual, na cartilha de Soeiro Pereira Gomes, a Margem Sul pululava de pulsão de vida, crianças sonhadoras e descalças, homens honrados com graxa na cara, mulheres esforçadas que acumulavam o trabalho na fábrica e a educação da prole sonhadora e descalça, relações de solidariedade social no meio das pracetas anónimas, enfim, o Portugal mais profundo e verdadeiro. Afinal, tudo é mentira. Nem crianças sonhadoras, nem proletários, nem mães coragem, nem nada. Um Sahara. E no meio, quando muito, quais berberes, os Da Weasel a tocar as suas cantilenas. O que Mário Lino diz é que todos esses romances neo-realistas execráveis, afinal de contas, eram a mais pura ficção. Soeiro Pereira Gomes não se limitava a relatar, em linguagem sofrível, aquilo que via pela janela. Não senhor, Soeiro Pereira Gomes e companhia criaram um mundo imaginário, rico e complexo, tal como William Faulkner fez, quando criou o Yoknapatawpha County. O aeroporto até pode ser construído na Ota para cumprir um desejo pessoal do Mário Lino, já não me importa. O que eu sei é que passei anos a pensar que a literatura nacional do século XX apenas tinha produzido um talento razoável, Vitorino Nemésio, para descobrir, graças ao Mário Lino, que afinal produziu um génio universal, Soeiro Pereira Gomes. O que prova que Mário Lino está mal aproveitado. O seu lugar é no Ministério da Cultura.

Sem comentários: