setembro 22, 2006


Highway to hell



Mais uma semana, mas um escândalo no mundo islâmico. Desta feita foram as declarações de Bento XVI, como poderiam ter sido as declarações do ministro da Agricultura polaco, for that matter. Li o discurso de Bento XVI e assino por baixo todas as frases. Apesar de agnóstico, concordo em absoluto com o diagnóstico brilhante que o Papa faz da sociedade ocidental em que vivemos. De facto, estamos todos numa época pós-religiosa, em que a ciência se substitui, no pensamento europeu (e digo “europeu” e não “ocidental” por uma razão a que já lá iremos), que entende a religião como um estado pré-científico. No fundo, esta é a visão saída do Iluminismo que foi abraçada, com graves consequência, pelo marxismo-leninismo. Para os marxistas, a religião não passa de um esquema de organização social arcaico, baseado na superstição, que inexoravelmente seria ultrapassado pela razão e pela técnica. Quanto à maneira como a razão organizou as sociedades europeias do século XX, com as tentativas pseudo-científicas do nacional-socialismo e do comunismo, com os seus planos quinquenais e a substituição do papel que cabia a Deus pelo Estado omnipotente e omnipresente, estamos conversados. Basta lembrar a maneira metodológica e científica como os alemães organizavam Auschwitz-Birkenau e demais campos de concentração. Na Europa, a religião é algo olhado com fazendo parte de um passado longínquo, algo embaraçoso, como as calças de boca de sino e o disco sound, algo que gostaríamos de esquecer. Basta recordar, para esse efeito, a polémica entorno da definição de “Europa” no projecto de Constituição europeia do Giscard d’Estaing, onde todas as alusões à matriz judaico-cristã – que inequivoca e inquestionavelmente são a espinha dorsal da nossa cultura – foram obliteradas, sem apelo nem agravo. Nos EUA, pelo contrário, o país cientificamente mais avançado do mundo, Deus está presente na organização da sociedade. Os norte-americanos continuam a frequentar a Igreja todos os Domingos de manhã, sem verem nisso qualquer sintoma de superstição ou idolatria. Por essa razão, foram os responsáveis norte-americanos – e não os europeus – os primeiros a olhar para a ameaça do fundamentalismo islâmico. Porque, no fundo, há bastante mais semelhanças entre a sociedade norte-americana e as sociedades islâmicas do que entre a sociedade europeia e a norte-americana. Para um norte-americano imaginar o que passa pela cabeça de um Osama bin Laden, basta pensar num Pat Buchanan levado ao extremo. Na Europa, olhamos para as sociedades islâmicas como olharíamos para o sistema de organização dos gorilas do Congo, algo primitivo que, mais cedo ou mais tarde, vai evoluir. Mas não vai.
O que nos leva ao discurso de Bento XVI em Ratisbona. O que o Papa afirmou foi somente isto: o Ocidente (e nota-se que se referia implicitamente à velha Europa laica) científico e pós-religiosos muito simplesmente nunca conseguirá entender o Islão. E o mais estúpido e revelador de quanto os “governos” islâmicos controlam a “opinião pública” dos seus países é que a passagem da polémica, a citação do imperador Manuel II Paleólogo, serviu apenas para contrapor a refutação do letrado persa, que insistia em que no Corão nada incita à violência. Tanto assim que Bento XVI chega ao ponto de explicar que a maneira como Manuel II Paleólogo se dirigiu ao seu interlocutor foi “espantosamente abrupta para nós”. “Nós”, ocidentais modernos. Nada na passagem revela qualquer mal intenção política do Papa em relação ao Islão. Isso vem mais tarde, quando Bento XVI se interroga como é que uma sociedade pós-religiosa poderá dialogar com uma sociedade em que a religião, mais do que monoteísta (como é nos EUA), é monolítica. E Bento XVI tem razão, por muito que custe aos iluminados europeus. Bento XVI lembra que, desde sempre na cultura cristã, Deus é sinónimo de Razão. “No princípio, era o logos”, lembra. Pelo contrário, no Islão, Deus é transcendente, uma entidade cujos propósitos, escritos no Corão, nunca devem ser questionados, por mais afastados que estejam da razão comum e universal. Portanto, a sociedade ocidental e a sociedade islâmica estão em níveis radicalmente diferentes. E, entende-se pelas palavras de Bento XVI, quase opostos. Com diálogo ou sem diálogo, com guerra do Iraque ou sem guerra do Iraque, Bento XVI limita-se a lembrar uma evidência: que a nossa sociedade moderna, onde Deus foi substituído pela ciência, é uma aberração aos olhos dos muçulmanos, uma blasfémia. E isto é o mais irónico quando pensamos em pessoas como o Mário Soares – fruto do iluminismo francês que começou na Comuna na Paris e acabou no socialismo – e outros entendedores do “Outro”. A proposta de Mário Soares de entender Osama bin Laden parte do pressuposto, errado, que Osama bin Ladem e os líderes religiosos islâmicos querem dialogar e chegar a consensos. Ora, chegar a um consenso implica necessariamente abdicar de algumas das nossas opiniões, em favor das opiniões dos interlocutores. E o mundo islâmico não pode abdicar das suas opiniões pelo simples facto de que a sharia, a ordem de Deus na terra, não é uma opinião. É a palavra divina. Inquestionável. Definitiva. Não há, por consequência, diálogo possível. Nem nunca haverá. A democracia, de facto, é incompatível com o Islão. A democracia implica que o poder está nas mãos das pessoas, que voluntariamente abdicam da responsabilidade da governação em favor de alguém por elas escolhidas através de sufrágio. Isto vai de encontro ao fundamento do Islão. No Islão, o poder não está, nunca esteve, nunca estará nas mãos do Homem. O poder total e absoluto está nas mãos de Deus. Ponto final parágrafo. Quem pensa que o Islão vai evoluir para um modelo norte-americano, em que a sociedade se organiza pela vontade humana e em que a relação com Deus é algo do foro pessoal de cada um, está muito enganado. Basta ver o que os muçulmanos pensam da sociedade norte-americana. E não nos iludamos: a sociedade europeia ainda consegue ser mais aberrante aos olhos de um muçulmano. Nos EUA, na tomada de posse, cada presidente pede a ajuda de Deus para realizar o seu trabalho e termina o discurso invariavelmente com o famoso “God bless América”. Na Europa, a mera menção de Deus num discurso oficial provoca imediatamente ondas de indignação entre os Europeus. A razão de os muçulmanos odiarem mais os EUA tem uma explicação prática. A Europa é politicamente inconsequente. Os EUA não são. A Europa poderá ter o modelo social mais odioso para os muçulmanos, absolutamente laico, mas a Europa não tem poder financeiro, militar e político para o exportar para o Islão. Nem vontade de o fazer. Pelo contrário, o modelo social dos EUA poderá ser um meio termo entre a sociedade europeia e a islâmica, um mal menor aos olhos do Islão, mas a diferença é que os EUA, a maior potência económica e militar do mundo, revelam, pelo menos desde o final da II Guerra Mundial, a intenção de o alargar ao resto do mundo. É isto que preocupa os líderes religiosos muçulmanos. A constatação de que os EUA pretendem agir. Em todos os inquéritos realizados nos EUA, os muçulmanos que vivem no país afirmam, na sua esmagadora maioria, que se identificam primeiro como norte-americanos e apenas depois como muçulmanos. Ou seja, como ocidentais. Primeiro, na ordem das prioridades, está a Nação. Apenas depois surge a religião, entendida precisamente como algo pessoal. Na Europa multiculturalista (que é outra maneira de dizer laxista: façam o que quiserem, desde que não nos chateiem”, é a atitude europeia em relação aos seus imigrantes), a esmagadora maioria dos muçulmanos identifica-se primeiro como muçulmano e apenas depois como inglês, francês, belga, etc (em Portugal nunca foi realizado nenhum inquérito semelhante, como não podia deixar de ser). O que explica os atentados de Londres. A Europa, para o Islão, não é um problema. o Islão sabe que a Europa vive na ilusão patética e pós-moderna de que o diálogo racional tudo resolve. Porque a Europa nascida do Iluminismo crê, conforme o Iluminismo pregava, que a Razão é universal e universalmente aceite e entendida do mesmo modo por todos os povos do mundo. Noam Chomsky, com a sua ridícula teoria da “gramática generativa”, afirma que a gramática é algo universal, algo pré-concebido em todas as pessoas, independentemente da sua origem. No fundo, algo biológico. Tal como a Razão, pois a linguagem é a primeira expressão da Razão. Obviamente, isto é um erro. E o Islão sabe que este é o calcanhar de Aquiles da Europa. Nos EUA, o politicamente correcto hoje em dia, desde o 9/11, está confinada aos círculos académicos onde nasceu, na década de 60: as universidades californianas, com a inevitável Berkeley à cabeça. A política externa da Casa Branca – seja dominada por democratas ou republicanos – é tudo menos multiculturalista. Ou relativista, como prefere dizer Bento XVI. O Papa limita-se a afirmar que o relativismo será a perdição do Ocidente, quando confrontado com uma religião monolítica como a islâmica. Isto não é um ataque ao Islão. Isto é o mais puro bom senso. O que fazer, então, com o mundo em que vivemos e as ameaças que nos rodeiam? Não sei. Bento XVI sabe: o ocidente deve conciliar a razão com Deus. Eu, como agnóstico, infelizmente não acredito nessa tese. Por isso, Bento XVI tem fé. Eu não tenho. Tal como não se podia dialogar com Hitler, também não se pode dialogar com o Islão. O resultado parece inevitável, infelizmente. Dos destroços da guerra, há-de surgir uma nova ordem mundial. Boa para nós ou não, é uma incógnita. Tudo depende, como sempre, dos EUA. Porque militarmente falando, os países islâmicos não são uma ameaça séria aos EUA. Os EUA são a maior potência militar do mundo, convêm lembrar. Os países islâmicos são países em vias de desenvolvimento ou simplesmente atrasados. Em termos estritamente militares, a Arábia Saudita é uma ameaça tão grande como Angola ou o Sri Lanka. Resta saber se existe vontade nos EUA para travar mais esta luta. Conhecendo os EUA, sim. Em tempos de perigo, os EUA costumam sempre rise to the occasion. Salvaram a Europa na II Guerra Mundial. Provavelmente terão de voltar a fazê-lo. Por muito que isto irrite a Esquerda europeia, dá jeito à Europa ter um George W. Bush na Casa Branca. George W. Bush pode ser um bastardo. Mas é o nosso bastardo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Encontro Bento XVI/Dr. Henry Kissinger

Moses E. Herzog disse...

Sempre era um encontro inter-religioso...

Anónimo disse...

Honorable Donald H. Rumsfeld, Friend of Portugal

Moses E. Herzog disse...

Gostava mais dele quando era senador.

Anónimo disse...

Te felicito por tu conocimiento de la politica USA

Moses E. Herzog disse...

Gracias. No conoscer al EEUA es no conoscer al mundo, hoy por hoy.