setembro 07, 2006

Twelve Kinds of Loneliness

Como anteriormente disse num post, a respeito do John Wayne, cada país tem os heróis que merece. O mesmo vale quanto aos escritores. Enquanto os portugueses sentem o ego inflacionado quando algum jornal de Kuala Lampur cita, num canto da página 16, algum romance do António Lobo Antunes (que morreu para a literatura há muito tempo, se é que alguma vez chegou a existir como escritor) ou esse bluff chamado José Saramago (um dos escritores mais estilisticamente medíocre e intelectualmente vácuo que conheci em toda a minha vida, cujo prémio Nobel da Literatura devia envergonhar os portugueses, em vez de os honrar, pois equivale a alguma instituição internacional atribuir um qualquer prémio ao major Tomé ou ao Otelo Saraiva de Carvalho), outros países, como os EUA, tem o Richard Yates.
Qualquer pessoa que, como eu, tenha uma cultura basicamente anglo-saxónica, conhece o asco e o desprezo com que a intelectualidade nacional trata a literatura norte-americana, a mais profunda, criativa e estimulante literatura mundial do pós-guerra. Para os portugueses, nomes como O. Henry, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Ernest Hemingway (embora esteja longe de ser um indefectível do Hemingway, The Sun Also Rises é provavelmente o mais belo livro escrito no século XX, juntamente com Revolutionary Road – já lá vamos – e The Wild Palms, do Faulkner), Saul Bellow, Joseph Heller, Norman Mailer, Gore Vidal, William Styron, Harold Brodkey, Philip Roth, André Dubus, John Cheever, John Updike ou, mais recentemente, Richard Ford, dizem pouco ou nada. Para os portugueses, quanto mais “poético” ou “belo” o estilo, melhor o escritor. Os portugueses preferem babar-se nas imagens frouxas de um Veinte Poemas de Amor y una Canción Desesperada, desse irritante Pablo Neruda (Eli Eli lama sabactani!...) a confrontarem-se com, por exemplo, o What Thou Lovest Well, Remains American do Richard Hugo. Para ler Hugo, Styron ou Dubus é preciso força e os portugueses são como uma turma de adolescentes virgens a suspirar pelas pestanas do Brad Pitt. Os portugueses têm uma crónica incapacidade de lidarem com a realidade. Deambulam entre o delicodoce das Rebelos Pintos e o pseudo-neo-realismo chunga de uma Teresa Villaverde ou um Pedro Costa. Ou querem ver mulheres de sucesso de jantam todos os dias na Bica do Sapato – que são uma minoria – ou querem ver jovens mães solteiras toxicodependentes que morrem de overdose – que são outra minoria. Os sonhos, quotidiano, aspirações, desilusões, tédio e amor da classe-média, ninguém suporta. Basicamente, os portugueses não gostam de se ver ao espelho e os escritores e realizadores portugueses fazem o favor de não lhes mostrar qualquer superfície minimamente espelhada, que não seja um espelho de circo, deformado para o bem ou para o mal. As tentativas de o fazer, como o Francisco Lucas Pires, não passam de redacções do ciclo preparatório escritas por admiradores babados e babosos do Raymond Carver (o escritor que mais fez pela descida do grau de exigência na literatura moderna, com as suas short stories pretensamente carregadas de significado, quando na realidade não querem dizer absolutamente nada e que não passam de uma péssima tentativa de tradução para a linguagem literária da solidão dos quadros do Edward Hooper). Ainda assim, preferia – se a isso fosse obrigado, claro – ler os textos do Francisco Lucas Pires a ter de chupar com as homages ao Saramago de um José Luís Peixoto. Mal por mal, que venha o medíocre original. Um Joseph Stalin ou um Adolf Hitler sempre têm uma dimensão que um Kin Jon-Il ou um Mahmoud Ahmadinejad nunca terão.
Porém, de todos os escritores norte-americanos do pós-guerra, Richard Yates é um caso estranho. Catalogado no limbo de ser um writer’s writer (a definição de alguém que os seus colegas escritores incensam, mas que o publico olimpicamente ignora), Richard Yates espantou o mundo literário norte-americano com a publicação, em 1961, do mais belo e perfeito romance do pós-guerra, que define todo o período com uma mestria que nenhum outro escritor conseguiu até hoje igualar: Revolutionary Road. A obra é um hino à vacuidade de um período em que o consumo era o reflexo de um optimismo desmesurado na sociedade norte-americana, mas em que os valores que haviam pautado essa mesma sociedade – a abnegação, o heroísmo, a individualidade – tinham morrido com o regresso a casa das tropas. E o irónico em Richard Yates é que a sua vida reflecte a sua obra. Jornalista, ghost writer do senador Robert Kennedy (a quem escrevia os discursos) e por fim publicitário, os romances de Yates foram sendo publicados e esquecidos quase à mesma velocidade, chegando-se à caricata e trágica situação dos meados dos anos 90, em que todos os seus romances estavam fora de circulação. Apenas a insistência e dedicação de escritores brilhantes como Richard Ford e Richard Russo começaram a reabilitar a obra daquele se considero o maior escritor norte-americano da segunda metade do século XX. Outros têm obras mais regulares (Philip Roth), outros são mas intelectuais e profundos (Saul Bellow), outros são mais intensos (William Styron), outros são mais poéticos, na verdadeira acepção da palavra (Paul Bowles), mas nenhum consegue comover os leitores como Richard Yates em romances como Revolutionary Road, A Special Providence, The Easter Parade, A Good School, Cold Spring Harbor ou nesse seminal e absolutamente magnífico The Collected Stories of Richard Yates, que reúne as short stories publicadas nos volumes Eleven Kind Of Loneliness e Liars In Love, para além de short stories inéditas, que não foram aceites por revistas como a New Yorker. Sim, porque para além de ser o mais tocante e trágico escritor do pós-guerra, Richard Yates foi também, sem dúvida alguma, o zénite desse estilo tão norte-americano das short stories, o seu maior mestre e o único que felizmente nada devia ao Chekhov, ídolo do Raymond Carver e outros que tais. Assim chegamos a uma situação sem saída. Os portugueses desprezam os escritores norte-americanos. Os leitores norte-americanos desprezam Richard Yates. Não é preciso dizer o que vale Richard Yates para os leitores portugueses. Ainda bem. De todas as ignomínias que caíram sobre o escritor, como o olvido das suas obras e o ostracismo dos seus pares, a maior humilhação possível seria a admiração do Eduardo Prado Coelho.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabe se existe algum livro de Richard Yates traduzido para português? Não consigo encontrar em lado nenhum e gostava imenso de conhecer a obra dele.
solho@iol.pt