Nove semanas e meia
A questão do aborto é como uma doenças endémica: quando pensamos que acabou, eis que surge novamente. O que mais espanta neste país amorfo é que os portugueses recusam-se a debater a economia, o terrorismo, a imigração, a Europa, a nova ordem mundial. Mas quando a questão é definir as semanas necessárias para um embrião ser considerado um ser consciente, aí todos os portugueses, desde a peixeira ao tasqueiro, se metamorfoseiam em escolásticos e é vê-los esgrimir, quais Santo Agostinho, argumentos éticos e ontológicos. Um debate sobre o aborto é impossível por muitas razões. Antes de mais, por todos partem de um pressuposto politicamente correcto: “aqui ninguém é a favor do aborto”. Por uma vez, gostaria de ouvir alguém dizer “as mulheres não devem apenas ser criminalizadas, como devem arder nas chamas eternas do Inferno”. E alguém contra-argumentar “apenas as mulheres mandam no seu corpo; não há diferença entre um aborto e um piercing”. Aí sim, as águas estariam separadas. Em vez disso, debate-se o número de semanas necessárias para se considerar o embrião um ser vivo. Mas quais são os critérios para definir quando um embrião merece protecção legal? Quando dá o primeiro pontapé, qual Katsouranis, na barriga da mãe? Quando pesa mais do que um pacote de manteiga UCAL? Quando começa a gostar dos Divine Comedy? A confusão é tal que os movimentos pró-vida chegam a utilizar argumentos económicos, como a necessidade de aumentar a natalidade para sustentar a Segurança Social. Um embrião merece protecção, não porque carregue uma centelha divina, mas porque é um pagador de impostos em potência. Quem decidia quando começa a vida era o Papa. Agora é o Teixeira dos Santos. Há 30 anos, os pais esperavam até que os filhos fizessem 10 ou 11 anos para trabalharem e ajudarem economicamente a família. Agora a pressão começa logo nas 10 ou 11 semanas. A questão, como se pode ver, é espinhosa. Mas, antes de mais, convém esclarecer algo: aqui ninguém é a favor do aborto.
novembro 02, 2006
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