setembro 03, 2006

This one goes out to the one I love

Mais um ano, estive presente nas festas de Nossa Senhora de Conceição, realizadas na minha terra, Barrancos. Durante toda a minha vida me habituei a olhar para aqueles últimos quatro dias do mês de Agosto como um espaço de tempo em que tudo era permitido, quando me reencontrava com velhos amigos, lembrávamos antigas memórias, as bebedeiras passadas, as paixões passadas, as oportunidades perdidas, em que analisávamos, sem o dizer, apenas para nós mesmos, como as nossas vidas tinham mudado e os nossos caminhos divergido, apesar de permanecer sempre a amizade, quantas vezes mais um hábito de preguiçosos do que um real sentimento. Mas este ano foi diferente. Durante os últimos anos defendi as festas, contra tudo e contra todos, afirmando que os lisboetas não entendiam a maneira de viver dos barranquenhos, para quem um animal não é um pet que serve para fazer festinhas, mas algo que deve servir um propósito, seja ele económico ou ritual. Continuo a acreditar nisso. Mas este ano, separado todos aqueles da minha mulher, sentindo a sua ausência como um paciente sente um membro amputado - julgando fisicamente ainda estar lá, quando na realidade não está - tudo aquilo me pareceu uma brincadeira de crianças que se recusam a crescer e que fazem asneiras na sala de aula, quando a professora vai, por momentos, à casa-de-banho. Nunca fui uma pessoa confessional e não é agora que vou começar a ser. O que eu penso intimamente apenas a mim e a quem me ama interessa. Mas, por uma vez, quebro essa regra. Porque, pela primeira vez, naquela praça, soube o que o touro sofre, sentindo cada pontada de saudade como se uma banderilha se tachasse em mim. E as pessoas, os meus amigos, os meus primos, os meus parentes, que assistiam ao sofrimento do touro também, de certa maneira, participavam do meu sofrimento – pela simples razão de eu estar ali por causa deles – com o mesmo sadismo, ainda que involuntário. O touro, no final, morreu. Eu, no final, voltei agradecido e ansioso para os braços da minha mulher, que me indultou. Tivesse o touro espetado os cornos em mim e não poderia dizer que tinha sido injusto. Bem pelo contrário. O touro não tinha opção: tinha de estar ali. Eu estava ali e não devia estar. Não tinha desculpas e muito menos justificação. Continuo a pensar tudo o que sempre pensei sobre Barrancos. Espero que deixem aos barranquenhos continuar as suas festas em paz, como sempre fizeram. Mas agora, para mim, tudo isso deixou de ser relevante. Os meus amigos, os meus parentes, o meu passado, tudo isso encontro na minha mulher. Não preciso de mais. Sempre disse que achava uma imensa sorte ser de Barrancos. Mas maior, incomensuravelmente maior sorte (a simples comparação é ridícula) é viver com, amar e ser amado por aquela pessoa em quem penso quando escrevo estas palavras. Hoje, não me importava de deixar de ser de Barrancos. Apenas não quero deixar de ser dela.

2 comentários:

ana disse...

que bonito.

fico feliz por ambos. lindo de se ir lendo.

Moses E. Herzog disse...

Obrigado, Ana. Espero que sinta algo semelhante por alguém e que seja correspondida. O amor é o que diferencia um cínico - como eu, admito - de um desesperado.